quinta-feira, 31 de março de 2011

"Para sair, diga a senha".

À espreita, a raposa circunda. Ela receia uma aproximação. Eu faço de conta que não percebo.

Viajo à noite, entranhado nas brumas da madrugada, mas mesmo assim há encontros inesperados. Seres da noite procuram ocupação.

Alienígena àquele ambiente sinistro, uma mulher carrega sua filha, enrolada em muitos trapos. Ela nota minha portentosa presença e vem ao meu encontro.


Desconcertado, mostro indiferença e continuo no meu caminho. Entretanto, ela ignora meu desdém.

Senhor?

Meus olhos insistentemente apontam para o lado contrário.

Senhor? Por favor...

Então a criança soluça baixinho.

Não resisto a esta frágil demonstração de carência. Abalo-me quando o assunto trata de crianças.

Sim?

Ela esmiuça um sorriso.

Eu sou a flor silvestre que perfuma os campos.

Como?

Eu sou a flor silvestre que perfuma os campos.

Sim, eu a entendi. O que não cabe aqui é esta frase. Por que tais estranhos dizeres?

É uma senha.

... Sim, e daí?

Você tem que responder com a contra-senha.

Por quê?

Porque é assim que tem que ser.

Quem pode afirmar isso?

Qualquer um que more por aqui.

Desculpe, senhora. Não estou a par destas formalidades. Na verdade, estou indo embora. Por isso, com sua licença...

Espere! Você precisa falar a contra-senha... É preciso...

Hum... Está bem. Mas precisarei de ajuda aqui.

Certo... Você responde: "Eu te amo".

Hã?!?!? Não posso dizer isso!

Por favor...

Como num complô, a criança resolve soluçar mais uma vez.

Está bem!

Então vamos lá, do início: "Eu sou a flor silvestre que perfuma os campos".

"Eu te amo".

"Aqui está sua filha!"

E como um objeto ínfimo, a mulher lança o bebê que carregava nos meus braços. Antes que pudesse esboçar qualquer reação, ela já tinha desaparecido.

E não bastando isso, ainda sou obrigado a ouvir uma voz canídea que afirmava:

"Se tivesse comprado a poção, nada disso teria acontecido..."

segunda-feira, 28 de março de 2011

A apoteótica trajetória para o interior. Comemorações e Despedidas.

Ainda na vila, vários pontos luminosos irradiam pelas casas. A energia elétrica parecia agora algo distante.

Tentando evitar os moradores, circundo-a. Mas isso não me impede de presenciar um evento alegre em meio à escuridão que oprime.

Fico curioso com as palmas contagiantes e as gargalhadas. O ambiente no interior daquela residência estava bastante positivo. Era um aniversário.

Um dos residentes ergue seu copo e fala:

Sabemos que focamos um dia para lembrarmos de algo. Temos todas essas datas comemorativas, basicamente comerciais, de que devemos agradecer a algo ou a alguém pela sua existência. O problema é que muitos não sabem e por isso precisam ser lembrados por datas no calendário. Não damos conta de que  algumas pessoas ou fatos marcam de tal forma nossa vida que não devem ser lembrados em dias avulsos. Todo dia é o DIA. Separamos um para comemorar, o dia fatídico, em que tudo veem à tona. Mas isso não quer dizer que não se deva ter em mente o motivo supremo nos dias restantes.

Venho até vocês por uma razão. Queria lembrá-los de alguém que sempre tenho em meus pensamentos. Uma pessoa no qual eu tenho o prazer de estar. Minha esposa. Eva, eu te amo.


Aplausos entusiásticos. Um abraço e beijos intensos. Creio que estou sendo tomado pela emoção. 

Bem... Preciso ir agora. 

Sentirei saudades desse pessoal. Desta vila. Desta boa vizinhança.

sexta-feira, 25 de março de 2011

A Pistola de Nanicolina

Eu olhava para a pistola, admirado com o seu design. Ela parecia com uma arma de desenho animado futurista. Os três anéis que circundam a ponta dela dão um teor magnânimo e exótico, típico dos anos 50. Em seu coldre está escrito: Pistola de Nanicolina.

Bem... não poderia me permitir navegar em devaneios. Uma missão tinha que ser executada.

Aponto para o castelo e disparo... e, admirado, constato a predominância do fantástico deste lugar. Ainda sou surpreendido apesar de tudo o que já vi, quem diria...

Diante dos meus olhos sorumbáticos, vejo a minha morada reduzir rapidamente de tamanho em meio a um show de luzes e som. E onde antes se avistava uma portentosa edificação sinistra, agora via-se uma ridícula, porém, simpática, miniatura de castelo.


Com muito cuidado, recolho-a. Cabe na palma da mão. Depois, devidamente embrulhada, deposito a diminuta forma num alforge.

Incrivelmente, todo o material necessário de que preciso para a viagem já está disposto ao meu lado, reunidos numa mochila de excursão.

Quando estou me despedindo do lugar, com todo o aparato montado, como se fizesse parte de mim, de tão apertado que estavam os nós, ouço um leve sibilo dentro de um caule oco.

Psiu. Ei, amigo.

Você está falando comigo?

Não vejo mais ninguém nas redondezas, e você?

Hum... Certo. O que quer?

Não pude deixar de observar o seu feito...

Ao sair do seu esconderijo, o intrometido ser se revela uma raposa humanoide.


Pelas madeixas de meu pai! Você é um animal falante!!

... Olha, a maioria das pessoas não se sente à vontade comigo. Sou discriminado constantemente, por isso, por favor, será que o Monstro, cheio de engrenagens e enxertos de várias pessoas, não poderia "pegar leve"?

Desculpe-me... são muitas surpresas para um dia. Bem, diga-me o quer comigo?

Ele ainda parecia meio ressentido, mas procurou falar o mais rapidamente possível:

Quero lhe oferecer uma poção, que permitirá que se movimente para qualquer canto sem ser notado. Funciona comigo.

Hum... Não sei não. Pelo menos agora você não me parece muito camuflado...

É porque o efeito dura apenas cinco horas. É o único porém dela. Mas eu estou com uma promoção incrível...

Iiiiiiiiii. Estava demorando... Escute, raposa, não tenho tempo para isso. Não me importo com o que as pessoas irão dizer. O mais importante agora é descambar daqui. Por isso, com sua licença...

A raposa tenta argumentar, contudo, em vão. Mas eu percebo que ela não é de desistir tão facilmente.

Enquanto de distancio de onde outrora ficara o castelo, não deixo de sentir uma presença astuta e peluda me circundando.

terça-feira, 15 de março de 2011

Pépe.

Anteriormente, na Corcova:

Após um apagão, Frank questiona Horácio a respeito do caso, e as notícias não são boas. Algum tempo e ainda sem energia, Frank não vê escolha e decide se mudar para o interior, mas saberá de uma maneira nada fácil que o castelo não o quer longe dele. Então, Frank, ao ser salvo por Horácio, recebe uma explicação deste, que afirma ao seu camarada que terá que levar o castelo com ele. Ao questionar como, Horácio sugere que ele o siga até uma sala secreta nas entranhas do castelo. E lá, Frank se depara com uma surpresa...

Mas... quem é este aí?

...Pépe. Sou um antigo residente do castelo.


E por que eu nunca soube de você?

Na verdade, meu trabalho não me permite divulgação gratuita. Geralmente, só apareço quando um evento de grandes repercussões está para acontecer e deve-se mover o castelo.

E qual seria exatamente seu papel nisso? Pelo que vejo, você estava apenas lendo jornal naquele banco sem encosto (e eu me pergunto: não tinha um lugar mais confortável para ficar?). Além disso, nesta sala não vejo nada de extraordinário.

Como você deve imaginar, nem sempre as coisas mais significativas são encontradas nos lugares que imaginamos.

Tudo bem. Mas, e agora, com sua revelação, não poderei ignorar sua presença aqui. Tenha a certeza que virei aqui mais vezes. Há muitas questões.

Infelizmente, você só virá mais uma vez... Para devolver o que lhe emprestarei.

Como?! Espere aí! Como pode ter certeza?

Você foi guiado por Horácio até aqui. Ele só fará isso mais uma vez...

M-mas... Se o castelo tem que se mover, por que você não faz isso? Por que eu? Por que se revelar a mim e estragar todo o mistério por trás de sua pessoa?

Não irei estragar nada porque não revelarei nada além do necessário a você. Infelizmente, no castelo há regras específicas com relação à minha presença aqui e não posso sair desta sala. Sou... digamos, o guardião deste lugar. Eu o mantenho coerente (na medida do possível).

Hum... e antes de mim? Houve outra pessoa que mudasse o castelo para você?

Na verdade, não. Você é o primeiro e, acredito, será o único.

Eu...

Bem... Chega de conversa.

Ele retira do bolso um tipo de pistola.

Quero que você utilize este dispositivo no castelo. Mas lembre-se, você deverá estar fora dele quando o fizer. Agora, apresse-se. Horácio! Leve-o daqui!

Espere!

Mas era tarde. Horácio me atravessou e o seu plasma bagunçou meus sentidos. Quando dei por mim, já estava praticamente fora do castelo.

Uma voz ecoava em minha cabeça:

Para fora das imediações... Para fora das imediações... Para fora das imediações...


Continua...

sábado, 12 de março de 2011

Pausa para um lamento.

O povo japonês é forte e preparado. Por viverem numa ilha propensa a desastres, mostram uma vivacidade tamanha em se adaptarem a eles.


O número de mortos é grande, mas diferente das outras catástrofes ocorridas anteriormente em outras regiões, poderia ser bem maior, só não o foi devido ao preparo do japonês.

O ser humano é capaz da adaptabilidade com uma eficiência ímpar. E devido a disciplina do japonês, milagres ocorrem (como um país desenvolver-se tão rápido após o grande golpe da bomba nuclear).

Admiro a sua cultura. Seu código de honra. Sua excessiva formalidade e suas excentricidades (é uma graça).

Aqui presto minhas condolências ao povo japonês, mesmo sabendo que a morte não é inteiramente o fim. E isto serve igualmente para todos os povos que sofreram com alguma calamidade no passado recente (e peço desculpas por não ter feito isto anteriormente).

Apesar da tristeza que acompanha estes eventos, aproveitemos para aprender com eles.

Próximos passos?

Devemos urgentemente redefinir a forma de extrair energia de uma maneira que não comprometa vidas. A energia nuclear, além de instável, é sumamente perigosa. E construir instalações em áreas propensas a tremores não é uma decisão saudável.

Patrick Geryl, autor de "O Código de Órion" e "Como Sobreviver a 2012", relata em seus livros suas conclusões a respeito do tema "fim do mundo"; sua maior preocupação vem com a sequência de eventos após a catástrofe em si: o comprometimento de usinas nucleares. 



Além das consequentes perdas de vidas com o acontecimento imediato, enfretaríamos problemas posteriores com a comunicação e energia, o que iria ocasionar uma reação em cadeia perigosa, devido a nossa dependência tecnológica; a modernidade como a conhecemos iria terminar, mas o pior ainda estaria por vir: vazamentos radioativos provocariam morte lenta e boa parte do planeta estaria infectado com a radiação. Poucos sobreviveriam.

Infelizmente, vemos este exemplo no Japão. Mas é por meio dele que iremos nos precaver. Que as autoridades responsáveis estejam cientes de tal possibilidade.

sexta-feira, 11 de março de 2011

A condição.

Parem!!!

A voz aquosa de Horácio irrompe a noite. E todos os seres cessam seu ataque, retornando para o fundo obscuro de onde vieram.

Confesso que em nenhum momento senti medo. Sabia que o castelo tinha vida própria quando me instalei. Sua reação é o desespero em perder seu inquilino. Eu o entendo. Mas, infelizmente, caso realmente mude, não poderei levá-lo comigo.


Como que adivinhando meus pensamentos, Horácio intercede pelo castelo:

Há uma forma, Frank. Nunca duvides do poder deste lugar. Ao mencionar-te a consequente e destruidora manifestação da natureza em decorrência do Sol, quisera sim, que percebeste que estar aqui serás um risco. Com certeza teus circuitos sofrerão um curto e teu fôlego não aguentará  a pressão que virá. Contudo, teu lar não poderá ficar para trás!

Então me diga como poderei realizar tal ato!

Siga-me.

Assim, Horácio leva-me por corredores sinuosos, sempre descendo. O castelo possui tantos níveis que perco a contagem do quanto nos aprofundamos. Havia tantas salas, quartos inexplorados...

Enfim, o fantasma aponta para um candelabro fixado na parede, à altura dos meus olhos. Não entendo, afinal, não tinha qualquer passagem.

Terás que dizer as palavras mágicas.

Quais?

Pépe, já tirei a vela! Mas só pronuciarás ao mesmo tempo em que removeres a vela de seu suporte.

Concordei.

Fiz conforme me foi solicitado. E que surpresa me esperava no interior do cubículo...

Continua...

quinta-feira, 10 de março de 2011

O castelo diz NÃO!

Fazia duas semanas que a energia cessara.

A luz tenta penetrar na densa escuridão. O castelo se desanuvia e se aquece com as inúmeras velas espalhadas. Uma vez ou outra, o espectro de Horácio vaga pelos corredores, deixando um rastro esmeralda que deforma o ambiente.

Hoje estou na torre sul. Divago como nunca divaguei antes. 


Estranhamente, todos os animais peçonhentos adquiriram certa simpatia por minha pessoa, pois lacraias, aranhas caranguejeiras, baratas fosforescentes, ratazanas ensandecidas, entre outros bichos, sentiram necessidade em me ter por perto. Faziam-me companhia enquanto que, com a mão no queixo, divago os próximos passos que serão dados.

Após um considerável tempo dispendido, concluo, satisfeito:

Hum... Acho melhor ir para o interior. O litoral já não me apetece.

Daí ouço um angustiante grito nos rincões do castelo. Em seguida, uma onda de seres disformes, como uma onda escura e desordenada, avança em minha direção!

Por mais que eu me firme no chão, eles continuam a me empurrar para a beirada da torre, que leva ao precipício.

Sinto a brisa aumentar gradativamente, o som do mar fica mais alto... A queda parece iminente...

Continua...

quarta-feira, 9 de março de 2011

A escuridão nada mais é que a ausência de luz.


Está tudo pronto! Os fios desencapados permeiam sua eletricidade pelo chão imundo; o repositório está cheio de gosmentos vermes mutantes; as cinco salamandras ocupam sua posição para a descarga; a alavanca está posicionada, aguardando meu comando...Entretanto... Tudo fica às escuras!

E mais essa! Era só o que me faltava! Horácio! Oh, Horácio! Venha aqui e traga sua luminiscência!

Nada. Nem o mais débil sibilo. Onde ele estará agora?

Droga! Devo sempre lembrar que estas experiências envolvendo eletricidade devem ser acompanhadas por velas. Já é a 67ª vez que isso me ocorre!

Fiquem todos juntos...

Vou titubeando, batendo em tudo que se interpõe em meu caminho. Sair da sala custa-me alguns minutos preciosos. Guiando-me pelo frescor da noite, alcanço a janela e surpreso vejo que toda a cidade também compartilha de minha dificuldade. Vejo tremeluzentes fachos de luz, que aparecem ali e cá. 

Apurando a vista, fito as imediações que também estão no inteiro negrume. O que terá acontecido?

Olá?

A claridade de Horácio preenche o local em que estou.

Enfim! Onde estava, alma das trevas?

Balbuciando lamentos para a cálida noite e aguardando um soluço de satisfação...

Chega de poesia. Não estou para pederastia. O que você acha que aconteceu para ter faltado energia?

Suponho que seja o Sol...

AAAAAAAAAAAAAHHH!!!

Hum... Há alguma expectativa que volte ainda hoje? Tenho umas salamandras inquietas na sala de experiências.

Frank, meu grande camarada! Não tenho notícias agradáveis...

terça-feira, 8 de março de 2011

Novos tempos. Velhos hábitos.

Elas passaram a ter uma participação maior na minha vida quando migalhas foram esquecidas no chão. 

Adoro biscoito. Recheado, então... Mas descobri tarde demais que estava dividindo esta iguaria com seres de incrível resistência. Seres que, entranhados nos confins obscuros do castelo, aguardavam a calada da noite para se banquetearem. Não duvido que rissem de mim, entre eles.


O primeiro a ser surprendido escapou de meu pé por pouco. Muitas outras oportunidades iguais a esta foram difíceis. Tive que apelar. Comprei veneno. Sabia do risco.

Varei noites. Tocaiei pacientemente. Tudo parecia em vão. Até ter uma ideia.

No dia seguinte, contratei uma empregada. Custou uma aparecer, mas uma se apresentou, sem qualquer receio.


Simples instruções foram suficientes. No final do dia, incrivelmente, todo o castelo estava um brinco. Acredito até que perdeu o ar da graça, afinal, era para ser um castelo mal-assombrado.

Paguei-lhe o combinado. Ela se fora feliz e eu fiquei, triste.

Como eu suspeitara, a sujeira atraia os insetos e nos primeiros dias eles não "deram as caras". Talvez tivessem ido buscar um local mais de acordo com suas necessidades.

Sei que, por mais que as baratas me incomodassem com sua aspereza, elas faziam parte de um contexto mais complexo do que eu pensava. Elas eram residentes de um castelo mal-assombrado, que agora só servia para turismo de tão límpido que estava.

Propositalmente, passei a comer biscoito, sem reservas em deixar migalhas caírem no assoalho. Novamente as teias de aranha cobriam mobílias e seres asquerosos realizavam suas atividades rotineiras após um breve hiato.

É... era impossível mudar certos hábitos...

Nada como um final feliz, vocês não acham?

Encontro Explosivo... 2

Eles pediram um cachê muito alto, por isso, não estão presentes na continuação.

O sino da frente foi balançado. Batidas repetidas e histéricas ecoaram logo em seguida.

Ao abrir o portão, deparo-me com ELE.

Olá, Criatura, até que enfim te encontrei. Agora poderei selar teu destino!

E assim, ELE me aponta um arma de grosso calibre. Será um tiro à queima-roupa.

ESPERE!

ELE hesita.

Antes que cometa uma loucura, peço que adentre no castelo. Deixe-me mostrar minhas conquistas.

Não há nada que tu tenhas feito que garanta tua existência.

Mas não julgue antes de ver. Perceberá que valho mais vivo que morto.

IMPOSSÍVEL! Te criei, maldito, e jurei diante do túmulo de meus parentes que antes de padecer iria carregá-lo comigo para a longa trilha do além-vida. Mas escarneço em pensar que destino será revelado a ti.

Deixa de bobagem, senhor! Injustiça é teu nome! E sabe muito bem disso!

Não sei por que não desfecho esta trilha de horrores... Tu deves morrer, demônio, e tem que ser por minha mão!

Sabe... Você me aparece aqui após todos estes anos, mesmo sabendo onde resido, e agora quer concluir tua missão tenebrosa! Faça-me o favor!

E assim eu o empurro para fora. Seu dedo trêmulo não consegue terminar o que pretendia.

Ainda ouço batidas na porta, contudo, ignoro.

domingo, 6 de março de 2011

O viajante.

Foi ontem que o amanhã se revelou.

Assim aconteceu:

Estava em meu laboratório, tomando nota dos últimos experimentos envolvendo a mixagem de um sistema cartesiano, quando senti primeiramente um estremecimento, seguido de uma luminescência na sala contígua.

Não me intimidei. Fui até lá. Deparei-me com uma circunferência translúcida que emitia raios e estática. Do seu interior apareceu o homem completamente nu.


Diante de tal cena, corri até um guarda-roupa e tratei de entregar ao recém-chegado umas vestimentas.

Obrigado. Geralmente temos que tomar à força de alguém.

Os outros não estão preparados para certas extravagâncias físicas.

Em que ano estou, exatamente?

2011.

Ótimo. Ainda tenho algum tempo.

Pelo meu olhar inquisidor, o homem sentiu a necessidade em esclarecer alguns detalhes do que pretendia.

Escute, amigo, sei que vai parecer loucura, mas eu não posso te informar muita coisa. Saiba apenas que a minha missão é deveras importante e o tempo tem tudo a ver com ela.

Não se preocupe. Posso perfeitamente assimilar o que está acontecendo. Não sou leigo com relação a este tipo de assunto.

Ainda bem. Nossa, cara! Que bom que me materializei logo aqui, no seu...

...Castelo.

É. Imagine você... As informações que tenho poderiam mudar o destino de muitos, contudo, certos caminhos, por mais desvios que se tome, sempre acabarão convergindo no plano original.

Você diz a respeito da morte, estou certo?

Exato. Mas também pode se referir a muitas outras situações.

O futuro... Pode ser mudado?

Algumas variáveis seriam mudadas, mas fatos significativos sempre são alcançados.

Sei... Paradoxos. Eles têm que ser resolvidos.

Pois é... Bem...

Frank.

...Frank, aprecio o auxílio dado, porém, devo ir.

Entendo.

Contudo, poderia me dar de comer e beber. Com o resto eu me arranjo.

E assim, o viajante do tempo, após recuperar as energias dispendidas, vai de encontro ao seu destino, tomando o cuidado em não criar universos paralelos.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Ceticismo extremo.

Alguém bate na porta e aguarda. Como não há resposta, bate um pouco mais. Ouvem-se passos cambaleantes se aproximando. Um som metálico de algo sendo destravado. Na verdade, cinco sons metálicos. Mais precisamente, de cima para baixo.
A porta é aberta e um senhor, cujo apelido é Brasileirinho, aparece à meia-luz. O pega-ladrão mostra o quanto ele preza por sua segurança e o tanto que ele é desconfiado.

Boa noite, "Brasileirinho". Que bom que pude encontrá-lo em casa. Estava na esperança de poder informá-lo sobre uma situação deveras urgente.

Não o conheço e nem lhe dou a intimidade de me chamar pelo meu apelido.

Desculpe. Não tive a intenção de ofendê-lo, mas creio que isso não é tão importante quanto o que tenho para lhe contar.

Escuta... Eu não faço a menor ideia de como descobriu meu apelido e onde moro, mas isso também não interessa no momento, o que vem ao caso agora é que não estou interessado em qualquer baboseira que você pretendia me vender.

A porta se fecha.

O homem espera um pouco, pensativo. Resolve tentar novamente.

Os passos são agora um pouco mais rápidos do outro lado e a porta só não é escancarada por causa do pega-ladrão.

Esbaforido, Brasileirinho nem espera o homem falar:

Olha! Não vai adiantar ficar batendo na minha porta. Esta será a última vez que te dou atenção (só porque sou um cara legal), por isso, vade retro e não me amole mais!

Espere! Pelo menos ouça o que tenho a dizer. Prometo que não é nada religioso e nem venda de qualquer produto.

Brasileirinho olhou daquela forma que só os desconfiados profissionais olham. Deu uma fungada e engoliu em seco antes de proferir:

'Tá bom. Mais seja breve

O homem não resistiu e sorriu.

Antes de tudo, Brasileirinho, gostaria que você não tratasse essas informações com o seu senso comum. Descarte todos os seus dogmas e paradigmas. Isso está além do que qualquer ser humano já presenciou. 

Atrás do homem surgem luzes, que ficam se movendo aleatoriamente em torno dele. Brasileirinho não parecia impressionado. O homem continua:

Este momento é único na história desta humanidade. Eventos catastróficos irão ocorrer e não há nada para impedir. Contudo, há uma maneira de minimizar o custo de vidas perdidas. Eu o escolhi para que seja um dos propagadores da notícia. Passarei para você tudo o que vi e me foi informado, pois tenho fontes confiáveis. Com elas, poderá realizar muitos feitos maravilhosos.

E assim o homem discursa com entusiasmo sobre o grande cataclismo, dando detalhes sobre o evento; mostrando fotos e páginas e mais páginas do assunto. Tudo bem orgânico e sistemático. No fim, com a mesma candidez com o qual começara, o homem encerra. Daí, ele aguarda uma reação de Brasileirinho, que permanecera todo o tempo calado e com a boca entreaberta. Por fim, Brasileirinho diz:

Nunca vi uma mentira tão bem contada!

E desata a rir feito um alucinado.

Com lágrimas, ele aperta a mão do homem e, ainda rindo, cerra a porta para não mais abrir naquela noite.

O homem apenas lamenta e sai.

Alguns meses depois, quando comemorava numa mesa de bar alguma coisa com seus amigos de cachaça,  uma série de tremores abalou a cidade e acabou engolindo Brasileirinho e mais uma centena de pessoas da circunvizinhança. 

Enquanto isso, Estrangeirinho já se encontrava numa região à salvo, com sua família e um monte de pessoas que acreditaram nele.


quinta-feira, 3 de março de 2011

O arco-íris encantado.

O salão em que ele estava trocava constantemente de cor. Por sua vista passavam os mais psicodélicos efeitos. Mesmo fechando os olhos, ele sentia uma estranha sensação, como se cada cor representasse um estado de espírito, e isso penetrava em sua mente profundamente. Ele não conseguia discernir o que era real do imaginário. Daí visualizou pessoas que cambaleavam, fazendo coreografias hipnóticas. Tudo aquilo não parecia fazer sentido algum.


Antes de cair na tentação de gemer sem sentir dor, ele corre feito um alucinado em busca da saída. Tropeça aqui e ali, derruba algumas pessoas no caminho, mas enfim ele consegue seu objetivo.

O ar um pouco mais puro do que aquele ambiente fechado entra com força em seus pulmões. Mesmo calibradas doses de gás carbônico são bem-vindas. Contudo, algo havia mudado nele.

As cores diferiam do que ele estava lembrado: 

O azul estava meio vermelho. O vermelho apresentava um amarelo intenso, enquanto o verde parecia mais um rosa.

Entretanto, ele não se deixou intimidar. 

"Basta ir para casa e ter uma boa noite de sono. Amanhã as coisas voltarão aos seus lugares."

Dia seguinte. Ao despertar, o homem percebe que tem companhia, sendo que não lembra de ter saído com ninguém após o espetáculo fotoelétrico. 

Ele aguarda um instante, admirando as belas curvas da moça.

"Bastardo sortudo! Se ao menos lembrasse do fato eu puderia comemorar com mais convicção."

Sentado, ele pensa. Mas não por muito tempo. Uns gemidos matinais alertavam o despertar. A garota se espreguiça e então olha para ele, que solta um grito curto. A moça tinha feições bem masculinas, além de um pomo de adão insinuante.

Ela/ele diz, tranquilamente, depois que o homem está encostado na parede, como se estivesse acuado:

"Azul não é vermelho, assim como amarelo não é rosa e nem verde é roxo."

quarta-feira, 2 de março de 2011

A tormenta se avizinha.

Observo o irreconhecível horizonte. Em meio a tempestade que irá assolar esta região, admiro os incríveis raios que descrevem uma ruptura no céu e deixam transparecer, com sua célere e intensa luz, as nuvens escuras que se aproximam.


Não receio o fato do castelo estar num precipício. Olhando para baixo, sinto o trepidar que as ondas cada vem mais ferozes fazem ao usarem sua força contra o rochedo. 

O som da catástrofe se avizinha. Os habitantes na vila temem por suas vidas, como toda vez que cai uma tormenta. Diria que é um momento em que jogam com a sorte... No fim, eles sempre acabam rindo do temor infundado. Contudo, esta chuva era incomum. Eles sentiam isso. Entendo que não queiram abandonar suas casas, mas creio que se dessem valor à vida que tanto prezam, deveriam buscar segurança além das elevações, que circulam perigosamente seus lares.


Fazer o quê? Teimosia sem fim.

E lá vêm as gotas frias, juntamente com o vento...


terça-feira, 1 de março de 2011

Frank no divã.


Então... o senhor convidou-me, não é mesmo?

Está correto.

Bem?

Bem o quê?

Precisa de meus serviços, mas até o momento estamos aqui, olhando um para o outro, sem mais nada a fazer.

Oh, doutor, me perdoe. Estava divagando...

Então divague comigo. Vamos! Desembucha.

... Nossa intimidade não chegou a tal patamar...

MAS EU SOU UM PSIQUIATRA, VOCÊ PRECISA EXPOR SEUS PROBLEMAS PARA MIM!!

Um perturbador minuto de silêncio.

Certo! Então vamos lá. O que me incomoda é esta solidão. São anos sem relacionamentos...

Desculpe-me, senhor... hã... Frank, mas a sua horrenda aparência talvez contribua um pouco, não?

Não seja modesto e nem eufeminístico, "doutor". Toda a razão desta vivência isolada se deve principalmente a minha mostruosa deformação. Esta é a minha maldição. Criado por curiosidade e abandonado pelo meu criador quando se deu conta do ato vil cometido. Sou uma abominação!! (soluços)

O psiquiatra sai da cadeira delineadora de coluna em que estava sentado e aproximou-se de mim. Minha carranca não o perturba. Ele apoia uma mão no meu ombro.

Sabe que conselho posso te dar (mesmo sabendo que ele não terá qualquer proveito): arranje uma mulher, filho!

O senhor acha que eu não tentei??? Insisti para aquele biltre do meu criador me providenciar, mas ele temeu que nossa cria destruisse a obra do homem com nossa "maldade".

Não há ninguém que conheça, nas redondezas?

Sempre haverá os curiosos... além de Horácio, meu velho camarada.

Então você não está inteiramente só!

Ele é um fantasma, doutor! Nossa relação não é tão coerente quanto qualquer outra! Não posso nem lhe apertar a mão. 

Sei... Sabe... Acho que nem um de meus conselhos poderia ter um resultado satisfatório, pois você é um... caso excepcional. Mas não fique triste. Tenho muitos amigos que gostariam de conversar com o senhor. E pelo que percebi, o senhor é bastante culto. Acredito que eles o adorarão. Na verdade, até eu estou  empolgado em estar aqui.

"Poderíamos ser donos do mundo! Fazer dos outros nossos escravos!"

Outro minuto perturbador em silêncio.

Hã... creio que encerramos por hoje, doutor. 

Levo-o até a porta. Estou sendo um pouco rude, mas sei que me agradecerei por isso...

Mas... Senhor Frank... Eu...

Uma vez fora do castelo, não ouço mais sua voz. 

Mais tarde, balançando numa rede e tomando um refresco, descanso. Horácio aparece.

Frank!!! O que houve com aquele homem mais cedo? Por que o expulsou daqui?

Joguei a boa e velha sementinha da curiosidade...