A voz do velho da cabana era tão melodiosa quanto a música que conseguira tirar horas antes de sua rabeca. A história de Ranter foi finalmente exposta:
Advindo de uma vila menor que a menor de nossas vilas, Ranter foi obrigado, para manter a integridade de sua morada e a dos demais moradores, a alistar-se numa guerra que de imediato não lhe afligiria mal, mas que a longo prazo com certeza repercutiria em sua vida negativamente. O local em que nascera e vivera até aquele momento, conjunto das melhores recordações de sua longa jornada, transforma-se-ia num sepulcro de escravos caso ele e praticamente todos os homens não se oferecessem para, unidos sob o julgo de um comandante, responsável em reunir todas as aldeias esparsas da vasta região em que fazia parte seu lar, lutarem determinados contra um império que se formava.
A vitória, infelizmente, não foi conseguida. Todos os que puderam, retornaram. Porém, alguns renderam-se à cobiça e decidiram auxiliar os conquistadores.
Para Ranter e os outros guerreiros, que mantiveram consistentes a humildade e a lealdade a um modo de vida em que a liberdade era uma vertente, enojaram-se com a escolha dos infelizes que agora teriam que enfrentá-los.
Houve um combate, tão sangrento quanto os presenciados no campo de batalha, contudo, a intensidade e a confluência de sentimentos liberados pelos poucos homens que ousavam desafiar o império, era estupidamente maior.
Em menor número, os defensores não tinham escolha: a morte era o único caminho. E a derrota era iminente.
Ranter, que naquela época possuía outro nome, fatigado e ferido, acabou se exilando, mas com a esperança de vingar-se dos traidores.
Foi daí que lhe aconteceu um fato surpreendente. Um ser, semelhante a um homem de fina estampa, que emitia uma aura estranha, ofereceu-lhe uma oportunidade para reaver tudo o que perdera.
Desesperado, Ranter não teve escolha. Uma vez aceita, ele sentiu uma mudança interna. Sentia-se confiante, forte. Poderia realizar tudo o que tivesse em mente.
E assim foi. Ele destruiu seus inimigos com tal ímpeto e sanguinolência que, ao fim do ato, ao ver o resultado, chorou de desgosto.
Sua melancolia atingiu níveis tão alarmantes que decidiu desistir da vida.
Quando se preparava para quedar-se num precipício, foi impedido por uma voz. Tão vasta que parecia vir de todos os lugares. Era uma nova chance. Um pacto para toda a vida.
Foi daí que conseguiu sua imortalidade?
Ele teve que cumprir algumas tarefas. Alcançando-as, foi lhe cedido a dádiva (ou não) da imortalidade. Mas o interessante é que ele poderia abnegar dela quando quisesse. Bastava copular; deixar sua semente no mundo.
Ele é obstinado, não?
Ele me disse que ainda não encontrou a pessoa certa.
E indeciso...
Você não entederia, Frank.
A última frase havia sido proferida por um ruivo de sobretudo, de quase dois metros de altura, estacionado no meio da porta.
Ranter, é você?
Sua audição continua boa, Mathias. Fico feliz por lembrar de mim.
Mas que surpresa...! O que o traz até meu humilde lar? Por acaso veio reaver a rebeca?
Claro que não, meu velho. Ela é sua. Um presente para a pessoa certa. Na verdade, vim cá para convencer nosso estimado Frank a permanecer no precipício, de onde jamais deveria ter saído.
Obs.: Ranter terá suas próprias histórias, inclusive sua origem, mais detalhada. Em breve.