quinta-feira, 20 de novembro de 2014

As Crônicas de Igor (9) - Lindo balão azul.

Como se sabe, o som dificilmente será percebido no espaço. Você poderá senti-lo, caso manifeste algum poder sobrenatural, mas nunca ouvi-lo. Pelo menos, assim pensava.

Ao longe, um objeto se aproximava, deixando um rastro que se alongava, tornando-o maior do que realmente era.

Ele veio com um marulho. Uma entonação murmurante a princípio, mas que gradativamente ecoou com força. Inacreditavelmente, era uma canção. A melodia inebriou-me de imediato. Era mais ou menos assim:

Pegar carona nessa cauda de cometa
Ver a via láctea estrada tão bonita
Brincar de esconde esconde numa nebulosa
Voltar pra casa nosso lindo balão azul

Quando ele se agigantou, percebi corpúsculos se movimentando. Ao verem-me, apontaram para minha direção e novamente se moveram.  Pareciam estar confabulando para resgatar-me.



Na proximidade do cometa, os seres que pegavam uma carona nele utilizaram uma corda, na esperança de que eu a usasse para me apoiar e fosse puxado. E como era esperado, assim o fiz.

Uma vez em terra firme, eles ficaram me encarando. Eram humanoides de olhar terno; usavam trajes espaciais e aparentemente não se sentiam aturdidos por estarem em um cometa.

"Olá", fiz uma saudação silenciosa.

Eles se olharam entre si, com sorriso nos lábios. Depois, um deles se pronunciou, o som miraculosamente escapando do capacete translúcido:

"Você também é um cosmonauta?"

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Séries que acompanho #2 - ARROW



Falar sobre adaptações pode parecer difícil, como enfiar a mão num vespeiro, mas é justamente o contrário. Pelo menos para mim.

Mesmo que cenários mudem, detalhes se percam e personagens sumam ou novos sejam acrescentados, se mantiver o miolo intacto, certamente será uma boa adaptação. Principalmente se falarmos sobre a essência do personagem principal.

Outro detalhe importante é desconsiderar a fidelidade máxima que se espera ao adaptar de uma mídia para outra. Um exemplo? X-men; mesmo visualmente diferente, o diretor acertou no conceito proposto pelos criadores Stan Lee e Jack Kirby. O segredo de encarar as adaptações com serenidade é vê-la sem pretensões.

Arrow é primoroso por justamente equilibrar a fonte de onde é inspirada e adicionar elementos pertinentes para o formato televisivo.

Confesso que nunca assisti Smallville (retratação da juventude do Superman), que aparentemente utiliza-se de uma temática semelhante a usada por Arrow (questões familiares como um dos assuntos prioritários), mas afirmo que a série do Arqueiro Verde acerta em tudo. Mesmo com todos os acréscimos (justificáveis), muito do universo DC é ali retratado com dignidade. E o fato de usarem personagens pertencentes a outros heróis (o Exterminador, dos Novos Titãs, por exemplo) apenas acrescem a importância do Arqueiro, tornando-o mais significativo dentro do universo DC.

Para quem não conhece...

Arrow retrata as aventuras de Oliver Queen, um ex-playboy desnaturado que, após ficar 5 anos em uma ilha, consegue retornar para Starling City com uma missão: fazer justiça.

O que me faz acompanhar a série...

Primeiramente, por ser uma adaptação de um personagem de histórias em quadrinhos (o que para mim já é pré-requisito para assisti-lo, independentemente da qualidade). Além disso, ao dar uma aura realística, ela torna plausível e palpável todo o contexto na qual é inserida.

Uma cena antológica

Na onda de realismo, nos episódios em que Barry Allen (o Flash) aparece (ainda sem poderes), ficamos sabendo porque Oliver Queen não utiliza máscara (preferindo uma maquiagem). E todos os momentos em que há interação com personagens do universo DC (empolgação nérdica).



segunda-feira, 3 de novembro de 2014

As Crônicas de Igor (8) - Questionamento tardio.

O encontro inusitado fizera-me perceber o quão alheio mantinha-me diante da ilógica situação. Mordomo-rôbo e galináceas invasores de um satélite com uma imensa biblioteca? Era muito para uma mente sã.

Diante de minha perplexa constatação representada por uma encarada indagadora, a galinha de aspecto mais exuberante se pronunciou:

"E então? É seu ou não é?"

"Quem diabos são vocês?!", foi tudo que pude estabelecer numa linha de pensamento perturbado.

Elas olharam entre si, balançando a cabeça, certamente decepcionadas com minha resposta, daí então emitiram um ritmado cacarejo às suas costas. Num instante, surgiu por detrás de uma abertura um enorme galo, tão aristocrático quanto elas, e também um pouco afetado. Marchando em vez de caminhar, ele me encarava com o rosto petrificado numa inclinação ameaçadora. Sua aproximação escurecia o ambiente (aparentemente, parecia ter duas vezes o tamanho de suas companheiras), contudo, permanecia sóbrio em meu lugar.

Parando a dois metros de mim, ele vagarosamente inclinou a cabeça para o outro lado, cujo estalo fez eco. Estático, fitou-me com desdenhosa zombaria, soltando um misto de cocori-có com riso provocante. Continuei em meu lugar, sério.

Foi então que as asas se elevaram, tão céleres que o ar deslocado no movimento quase me fez afastar de onde estava.

Com determinação, o galo movimentou seus braços emplumados. Um redemoinho se formou. Tive que proteger a vista.

Quando menos percebi, tinha sido lançado ao encontro do teto, que se esfacelou, abrindo-se na imensidão espacial. Rodopiando, sentia a gravidade do lugar diminuir sobre meu corpo. Estaria condenado a vagar pelo cosmos?


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Séries que acompanho #1 - PERSON OF INTEREST



Houve um momento em que a ficção embalava a imaginação dos idealizadores e, com sorte, alguém decidia investir tempo naquele ápice criativo e desenvolver a ideia, tornando-a uma realidade.

Hoje, parece que pareamos (excetuando alguns casos ainda não catalogados) ficção com realidade. E nada mais palpável do que observarmos as produções recentes, seja na TV (cuja qualidade de alguns programas atinge patamares elevados), seja no cinema. Em especial, na série dramática criada por Jonathan Nolan e produzida por J. J. Abrams, vemos uma ruptura entre o que chamamos cotidiano e fantástico.

Com início de exibição no ano de 2011, a série trata, principalmente, da tentativa de um enigmático senhor chamado Harold Finch de auxiliar (ou impedir) pessoas de se machucarem. Ele é responsável pela construção de uma máquina que utiliza todos os recursos informativos disponíveis a fim de prever possíveis acontecimentos danosos ao país, como atos terroristas. Mas não é só isso... Além de ataques que afetariam muitas pessoas, ela também alcança casos considerados irrelevantes para o governo (que detém o controle da máquina), cuja lista é eliminada ao fim do dia. É justamente nos casos "irrelevantes" que Harold se concentra, mas para isso ele precisa de alguém treinado, que impeça os acontecimentos trágicos de ocorrerem, daí surge John Reese, um ex-boina verde e agente de campo da CIA dado como morto para auxiliá-lo.

O que começa como "caso da semana" (eles resolvendo um problema específico por vez) descortina-se sobre os envolvidos a intrincada história, cujos participantes desse perigoso jogo vão se revelando pouco a pouco e ganhando dimensões mais complexas.

O que me faz acompanhar a série... 

A história trata de heroísmo e relações humanas numa Nova Iorque constantemente monitorada, mas ela é, principalmente, sobre a máquina. Os envolvidos nada mais são do que peões, inseridos numa batalha que eles sequer podem imaginar. O fato dessa proximidade vigilante nas quais nos submetemos por receio de sofrermos caso não estejamos sendo vigiados pelos olhos incansáveis do poder público (a qual delegamos nossa liberdade) torna a série objeto de discussão, onde o mundo representado em 1984 de George Orwell paira, assombrando-nos com sua intrusiva presença.

Uma cena antológica

Quando Harold comenta que as redes sociais facilitaram a vida do governo, pois não era mais preciso pedir à população informações sobre si.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

As Crônicas de Igor (7) - O som ao redor.

"Há algo que eu possa fazer a respeito?", estava pronto para encarar o mundo.

O robô havia desaparecido em meio à confusão que se instalara antes mesmo de eu completar a pergunta. Para aonde se dirigiu faria parte agora do meu enorme repertório de questionamentos sem resposta.

Enquanto buscava um direcionamento de ação fui surpreendido por uma súbita calmaria. Por um eterno segundo, o silêncio se impôs. Era imperceptível o mais ínfimo som. Mas logo perdera a majestade por uma cacofonia de cacarejos. Isso mesmo: cacarejos.

Voltei minha atenção à inconfundível, porém incongruente manifestação (diante do local em que estávamos) galinácea. E, para minha pasmada constatação, a suspeita não era infundada! Ali estavam, bem representadas, duas galinhas (estranhamente austeras no caminhar) trajando vestimentas lindamente ornamentadas.

Elas primeiro se encararam, com profunda seriedade, numa mútua concordância de balançar de cabeça. Depois, fitaram-me de olhos semi cerrados. Uma delas toma à frente e cacareja.

Obviamente, mesmo com a super inteligência que pulsava no meu ser, não entendi patavinas. O que tornava difícil era que não adiantaria nada pedir para ela repetir. Ou talvez eu pudesse perceber as nuances, as repetições, as entonações, mas eu precisaria de tempo, afinal, era uma nova língua a ser aprendida.

Como que adivinhando o impasse que nos impedia de conversar, a galinha que se adiantou girou um botão na altura do pescoço, soltou um pigarro demorado e novamente tentou:

"Este satélite é seu?"


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Crônicas de Igor (6) - Término antes do início.

Antes que pudesse me debruçar com verdadeiros achados, escritos provavelmente por inspirados autores há muito falecidos, tive minha ansiosa expectativa prematuramente abalada por um tremor de grande proporção, que lançara sobre mim uma chuva de grossos volumes.

O robô, aparentemente tão surpreso quanto eu, dirigiu-se apressadamente para o local em que afirmara existir um ponto recreativo.

Sem opções, desvencilhei-me do fardo que quase me enterrara e segui-o o mais depressa que pude.

Mesmo ele estando bem à frente, arrisquei:

"O que houve? Que tremor foi esse?"

Apesar de parca esperança em ser ouvido, o ser robótico, no seu usual tom monocórdico, respondeu-me:

"Estamos sendo atacados".

Atacados? Era estranho pensar nessa possibilidade. Ainda mais por estarmos num satélite. Quem atacaria um satélite?

Foi de imediato que soube a resposta: quem soubesse da existência de uma base nele!

Crônicas de Igor (5) - A biblioteca.

O robô seguia na frente, deixando-me absorto em meus pensamentos. Ele, no íntimo, devia imaginar (ou seria processar?) o quão maravilhado estava com tão descomunal cenário. Quebrou o silêncio apenas para passar mais uma informação:

"À frente de onde estamos, há uma área recreativa. Lá, você poderá deliciar-se tanto com uma leitura quanto testar suas capacidades gustativas".

Confirmei com a cabeça, sem averiguar se ele via ou não. Era impossível, para um admirador das artes, ficar impassível diante da magnitude literária que, lindamente organizada, dividia-se em inúmeras prateleiras que, paralelas, se estendiam em ambas as direções, perdendo-se na penumbra.

Estava decidido. Ali passaria um tempo indeterminado.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Crônicas de Igor (4) - A primeira parada.

Antes de prosseguir a história, abro um parênteses quanto ao hiato em que o leitor (volte das catacumbas, por favor!) foi submetido: deparei-me com problemas além de minha alçada, tais como carência de paciência, criatividade nula, um ar desesperançado com relação há existência de leitores, enfim, um conjunto impeditivo de alto grau cuja justificativa sucumbe diante explicações mal dadas.
Agora, voltemos a nossa programação normal (ou quase)...

***

É loucura, eu sei, seguir cegamente um ser de tão assombrosa concepção, mas que alternativa tinha? Aventurar-me no vazio de fora? Como aparentemente ganhei virtudes fantásticas, não temi os possíveis perigos que viria a encontrar.

"O senhor quer conhecer nossa biblioteca?", sua voz de timbre constante quebrou o silêncio que imperava.

"Claro... Ficaria encantado com a oportunidade", disse após considerar bastante se havia um traço sequer de inverdade no que me era proposto. Uma tarefa, devo salientar, deveras inútil.

E assim atravessamos um grande saguão cujo teto perdia-se na escuridão. Admirei-me com a absurda estrutura, pois, externamente, não se notava tão gigantesca arquitetura.

Mais adiante, uma porta pequena, cerrada, parecia ser a passagem para o nosso destino.

"Está pronto para engrandecer-se com todo o conhecimento existente?", desafiou.

Como abarcar tamanha informação num espaço aparentemente minúsculo?

"Certamente..."

Quando o robô escancarou a abertura, fui banhado por uma luz maravilhosa. Os olhos, ao acostumarem-se com a intensa luminosidade, não puderam crer no que via. Uma imensurável biblioteca se estendia até onde a vista alcançava!