sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Saltos.



Batidas firmes na porta principal. Rítmicas. Sem esmorecimento.

Ao abrir, deparo-me com uma miúda, beirando seus 19 anos.

Por favor, gostaria de desabafar.

Minha expressão levou-a a repetir, e acrescentar:

É muito importante que me ouça.

Dei de ombros e permiti que entrasse no castelo.

Seria possível irmos a uma das torres?

Indiquei o caminho e, uma vez lá, ela sentou-se na cadeira mais confortável que consegui arranjar. Daí então, iniciou seu monólogo:

As pessoas se amontoam para entrar num cubículo retangular, a fim de elevarem-se até o décimo andar, sem saberem que, dentre elas, alguém insatisfeito planeja um ato brutal contra si. Não importa os motivos, apenas o resultado da ação. As perguntas virão. Abismados olhos fitarão o corpo inerte, empapado no líquido rubro que só cresce. Mas de nada adianta os lamentos, nem as lágrimas dos mais sensíveis. Ele simplesmente falecerá.

Umedecidos, dos glóbulos oculares uma torrente traça seu caminho pelas bochechas. Ela seca com as costas da mão.

É isso, Frank. Uma fatalidade. Um salto para a morte. Com ele já são três neste ano.



Silêncio.

Obrigada por me ouvir.


terça-feira, 20 de setembro de 2011

Plástico bolha.


O que está fazendo, Frank?

Há muito Horácio e eu renegamos o episódio do deslocamento forçado para o interior, a fim de manter a amizade.

Não está vendo? Estourando plástico bolha.

Mas sei que aí tem coisa... Estourar talvez seja uma distração, mas em minha humilde opinião, representa uma forma de concentrar-se. O barulho hipnótico de cada estourada propicia pensamentos elevados.

Hum... não. Estou apenas estourando as bolinhas do plástico.

Duvido que seja apenas isso! Não pode ser apenas estourar por estourar?!?!? Você não me engana, Frank!

Mas eu não o estou enganando, meu caro.

Pois eu não acredito em você!

Ora, Horácio. Eu sei o que o perturba. Tem vontade de estourar, mas como é etéreo, não consegue.

Enfurecido, ele solta impropérios e se desvanece.

No meu íntimo, eu me considerava vingado pelo que ele me aprontara.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O caso da água com gosto de garrafão.

"Tudo eu! Tudo eu!"

Ao levar o copo com água à boca, sinto um odor advindo dela. Suspeita número um...

Ao tocar nos lábios, uma leve essência de plástico é sentida. Suspeita número dois...

Somente ao engolir percebo (tarde demais) o que os sinais teimavam em dizer: a água estava tão horrível que era sensato livrar-se dela.

Indignado com aquele ultraje, reflito sobre os próximos passos. Primeiramente, dirijo-me até o garrafão e dou outra provada. Realmente estava inconsumível. Após cuspir a prova do crime, vou até o local em que ela é disponibilizada pedir uma satisfação.

O senhor responsável pelo local estava tranquilamente sentado conferindo o resultado da rodada esportiva quando me viu entrar. Com toda a delicadeza e paciência, dispus-me a explicar-lhe a situação.

Incrédulo com o fato, soltou todos os argumentos que lhe conferiam alguma credibilidade. Não duvidei. Apenas queria ser ressarcido, contudo, como ele foi enfático neste ponto, não poderia dispor de outro garrafão se estivesse aberto o que eu tive que provar para vir até ele discutir o assunto.

Certo. Comprei-lhe outro, de marca diferente. O rapaz que leva a água foi até o castelo recolher o garrafão contaminado e, depois que fi-lo prová-la, ele, com a certeza de um especialista, afirmou várias vezes:

"Ou é o garrafão ou é a água!"

Intimamente, percebi o quanto ele estava certo sobre suas convicções.

Acompanhei o rapaz e, uma vez na distribuidora, pedi para que o responsável provasse da água.

Com uma técnica de fazer inveja ao mais hábil degustador de vinho, ele constatou que eu estava certo. Prometeu-me que iria falar com a empresa de cuja água viera e que iria me restituir quando eles enviassem a reposição.

Bem... hoje eu me "esbaldo" com a mais límpida, cristalina e fluoretada água.

Deu até sede...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Koyaanisqatsi.


O imenso deserto estava à frente. Ele se distanciara de sua tribo. Precisava ver pessoalmente o que diziam aqueles que iam e regressavam, apesar do que afirmavam os anciãos.

Nada de bom encontrará lá. Uma vida atribulada, vazia, aguarda àqueles que penetram no mundo artificial do homem branco.

Os conselhos dos mais velhos apenas deixavam-no curioso. Ele precisava seguir, deparar-se com o novo, por mais diabólico que pudesse parecer.


Hoje, rendido às tentações mundanas num ambiente desarmonioso, ele tenta, em vão, reencontrar o espírito da mãe Terra.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

As brumas de Asgard.

Por sua quietude, supus que estivesse refletindo sobre a situação inusitada. Porém, deduzi um engano; ela estava aguardando.

Mas, aguardando o quê? Bem... diante dos meus olhos presenciei o que pareceu ser um resquício de um sonho movido a LSD, tamanha a profusão de cores. E como todos os habitantes da vila também gesticulavam e pasmavam como eu, só pude concluir que estava havendo um rompimento. As barreiras entre duas dimensões distintas cediam e uma batalha clareava diante de nós. Primeiramente, as imagens foram se intensificando, até se aproximarem do real; depois, o som... demasiado vívido! Contudo, o escarcéu provocado não nos afetava fisicamente. Éramos espectadores atônitos, embriagados com espetáculo tão sanguinário.


Guerreiros tombam! Preciso adiantar-me! Adeus, criatura!

E assim a valquíria alçou voo. E tão repentinamente surgiu em minha vida, ela se fora para junto de seus iguais. Deuses, semi-deuses, simplesmente guerreiros, numa luta confusa, cujo propósito nos escapa, quando tombavam, eram retirados pelas exuberantes mulheres em seus cavalos alados, levados para Valhala para guarnecer o exército de Odin.

Assim que ela entrou no pandemônio, a cena drástica gradualmente foi desaparecendo. Em instantes, tudo voltara ao normal.

Os moradores ficaram se encarando, talvez esperando uma resposta do outro, que obviamente não viria.

Quanto a mim, apenas registro este caso e o deixo para a incrédula posteridade.