quarta-feira, 29 de junho de 2011

Na palidez da loucura: um jantar para quatro.

O homem bem que tentou, mas das suas armas apenas o som apareceu. Nem fumaça manifestou-se dos canos, que apáticos derreteram.

Olhamos para ele, num misto de alarme e pena. Ele não deu à mínima.

O estranho livrou-se das armas e, levando a mão esquerda até a testa, puxou um zíper que antes eu não notara. E como uma roupa que você tira, a forma externa que se apresentou a nós deu lugar a um ser de derme azulada e cabelos rosa eriçados, corpo incrivelmente delgado, cujas vestes de garçom, de tão impecavelmente alinhadas, mareavam os olhos com sua fineza.

Vimos pasmados o corpo negro, um amontoado de pele, amarrotado no chão. Com total indiferença, o novo homem (se posso chamá-lo assim) deu um pulo para frente e em seguida ciscou sua "roupa" para trás.

Com as íris intensamente apontadas para nós, ele soltou-nos o ultimato:

Daqui vocês não seguem. A não ser...

Daí ele puxou de trás de si uma bandeja coberta, de cujas frestas podia-se notar a intensa saída de vapor.

Antes de qualquer movimento de algum de nós, uma mesa totalmente paramentada para um jantar refinado, juntamente com quatro cadeiras, emergem do chão branco até se firmar numa altura razoável.


Disso, o homem completa a sentença, ao mesmo tempo em que retira a tampa:

... que provem este saboroso café no canudinho!

terça-feira, 21 de junho de 2011

Na palidez da loucura: THX 1138

Senhor?

Três pessoas, dois homens e uma mulher, todas calvas e de roupas brancas, estavam defronte de mim com uma expressão de surpresa. Imagino que não tanto quanto eu deveria estar.


Quem são vocês? O que fazem neste inferno alvo?!

Eles olharam entre si antes um dizer:

Buscamos a saída desta prisão. Estamos caminhando já algum tempo... Mas temos esperança que logo logo iremos encontrá-la. À propósito, pode me chamar de THX 1138. Estes ao meu lado são LUH 3417 e SEN 5241.

A estranheza dos nomes por si só dava margens a inúmeras confabulações à miúdos ávidos por uma boa história, mas toda aquela palidez febril permitia-me somente mergulhar na resignação.

Gostaria de participar desta empreitada.

Eles novamente olharam entre si. Não houve ressalvas.

Reuni meus parcos pertences e desandamos por uma estrada inexistente, enterrada na brancura infinda.

Abruptamente, THX 1138 iniciou um monólogo:

O nosso mundo carece de expectativa. Somos inteiramente dominados, de corpo e alma. A religião é apenas um subterfúgio para nossas almas carentes. O Estado impera. Condicionamento total: como se portar, o que comer, o que vestir, o que assistir... A esperança uma vez passou perto, mas nesta porta ela não bateu, e assim se distanciou de nós. Talvez indefinidamente. Somos apáticos. Somos marcados. Fomos dominados pela apatia.

Atento a cada palavra, apenas absorvo aquelas informações. Sem interrupções.

Uma vez senti amor. Amor verdadeiro. E ele me foi arrancado por remédios e shows de TV. Aqui está ela, tão melancólica quanto eu... LUH 3417, nunca pude demonstrar afeto. Tudo é tão Admirável Mundo Novo, tão 1984! Por causa dos meus sentimentos, fui confinado. Contudo, reencontrei quem buscava e agora ela, narcotizada, a contra gosto caminha comigo. Mas sairemos deste inferno!



Como que atendendo às súplicas de THX 1138, uma forma se avista ao longe, vindo de encontro a nós. Era um negro alto. Apesar de também usar uma roupa alva, ele era uma contrastante figura naquele oceano branco.

A salvação? As armas em punho apontadas ameaçadoramente para a gente talvez significasse um não.

Tínhamos que arriscar, afinal, que direção poderíamos tomar para nos proteger?