sexta-feira, 27 de maio de 2011

Na palidez da loucura: o voo das araras azuis.

Por mais que eu tampe os ouvidos, me encolha, sufocando-me numa concha, os risos ainda ecoam, porém o som angustiante gradualmente torna-se distante, ao ponto de se extinguir.

Desconfiado, levanto as pálpebras num átimo.

Eles haviam sumido!

Exultado e ofegante, ergo-me. Não havia qualquer ponto em que eu pudesse focar a minha vista. Infelizmente, a palidez de outrora persistia.

Mal sabia que seria por pouco tempo.

Ao longe, vários pontos azulados surgem no alto, e à medida que se aproximam, distinguo aves que, realizando voos aleatórios, veem em minha direção velozmente.



O bater das asas estronda, e do seu movimento vê-se as ondas sonoras repercutindo em volta, preenchendo o ambiente com suas ondulações. Do pálido vazio, distinguíveis traços multicoloridos tomam forma, alterando a imagem das aves, tranformando-as em majestosas rapinas, de longas e afiadas garras.

À medida em que se aproximam, as dimensões dos pássaros se alargam. Eles crescem sem parar!

O longo sibilo emitido por elas me obriga a tampar novamente os ouvidos. Encolher não me ajudará a livrar-me delas, porém posso ter a esperança da dúvida.

Escaparei?

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Na palidez da loucura: o início.



O branco infindo. Sem horizonte definível. Sem formas.

Enfezado antes de desesperado, mas sem esquecer este último sentimento, busco uma solução para a situação. E por mais que fique tentado em sair correndo, gritando feito doido, paciento-me a fim de aborrecer os demônios, que esperam, creio eu, uma atitude melodramática de minha parte.

Por acaso escorre uma lágrima por sua deformada bochecha. Será de medo ou de raiva?

Nenhum dos dois. Apenas o resultado de um insecticídio.

Você é engraçado, Frank! Deveria juntar-se a nós.

Devo declinar da proposta. Almejo outras finalidades para a minha vida.

Agora sua graça bateu asas e voou. Diga-me, Frank, ansiar o estático não acaba deixando-o enfadado?

Como assim?

Estacionar no castelo, apenas desfrutando do que ele tem a oferecer? Tirando de sua vida a aventura que uma novidade traria?

Meus caros, vocês devem estar esclarecidos de que dá para se viver mais de uma existência no lugar. Como vocês mesmos disseram, não conheço nenhum terço do que o castelo tem a oferecer e, além do mais, não vejo razão nestes questionamentos, afinal, estou justamente participando de uma aventura... Por que perco tanto tempo discutindo, meu pai?

Risadas histéricas ecoam. Eles estavam apenas gozando da situação. Contradizendo-se propositalmente. E eu, desafortunado, obrigado a participar, mesmo sem querer.

Disso, percebo que se eu me calar, talvez os despistassem. Fazendo-os perderem o interesse por mim.

E os risos seguem-se, sem ritmo e extremamente irritantes... Durante um bom tempo... Além da paciência... Além do limite suportável... Não sei se conseguirei... AAAAAHHHH!!!!!

--CONTINUA--

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ciranda infernal.


As sobrancelhas arqueadas refletiam a maldade do sorriso insistente.

Por mais alegria que se demonstrasse na superfície do rosto, o que se sentia era uma imensa estupidez insana. E as gargalhadas complementavam a expressão satânica daqueles demônios que, me rodeando com cambalhotas performáticas, entoavam uma cantiga de mau agouro.

O querer de vocês nada condiz com os meus próximos passos.

Ora, Frank! Por favor!

Um riso estridente corta o ar.

Queremos apenas brincar com você!

Esqueçam! Não tenho tempo para vocês!

Você é um danado... Como nós!

Equivoca-se.

Fomos criados com propósitos inicialmente divergentes de nossa natureza atual. Fazer o quê?!

Aqui é que você se engana, meu caro... [O ar está tão denso com suas intenções mesquinhas que mal dá para respirar.] A minha criação foi resultado de uma curiosidade científica infeliz. Meu nascimento não foi intentado com propósitos vis! Nisso reside toda a diferença!


Você nos julga! Com que direito?! Nem nos conhece realmente!

Assim como vocês a mim!

Mas nós o conhecemos, Frank! Observamos você há tanto tempo que até perdemos a conta. O castelo que carrega consigo tem estreitas relações com nossos domínios. Digamos que há diversas passagens ocultas em aposentos que você nem imaginava existir! Pergunte-se: quanto do castelo conhece?

O bastante para me sentir tranquilo.

Pois saiba que mudanças se pronunciam adiante!

Estou ciente...

Os lados devem retornar ao ponto zero. Ambos pendem em desequilíbrio. Um lado está favorecido e não é o que se espera. E a situação piorará!

Eu sei! Eu sei, infelizes! É por isso que estou indo embora! Tchau!


Para que a pressa, se tudo o que há é a imensidão do nada.

Num piscar de olhos, toda a paisagem de outrora resumia-se numa grande branquidão sem fim.

Ai, meu...

terça-feira, 17 de maio de 2011

Enquanto eu dormia...



É incrível. Não! Fantástico! Esclareçam para mim: como um castelo pode simplesmente desaparecer?!?! 

Deveras, meu caro. Todos os habitantes da vila ficaram pasmados com tal fato.

Os comentários não param...

Alguém sabe em que dia ocorreu o fato?

Uma vez pensei em me aproximar, mas sentia umas "más vibrações" que me fizeram mudar de ideia.

Ouvi rumores de que um vigia, no dia fatídico, escutou um som abafado vindo da direção do castelo. Ao se aproximar para verificar, viu apenas o semblante do castelo em meio a uma névoa esmeralda e que foi reduzindo, reduzindo, até não ter mais nada!

Puxa!

Fascinante, no mínimo...

Silêncio.

Ei, vocês.

Sim?

Este cara veio da vila em que ficava o castelo.

E daí?

Como "e daí"? Ele pode ter mais informações a respeito.

Mas ele parece estar tendo um sonho tão gostoso... Não seria uma indelicadeza acordá-lo?

Hum... É... Você tem... MINHA NOSSA!

O que foi, homem?!

O rosto! O rosto dele!

Minha santa Aquerupita!

Minha virgem santíssima!

Mas que diabos...

Com toda aquela algazarra, Frank pisca devagar. Quando percebe as expressões atônitas, arregala os olhos. Em sua mente palavras como "poção", "efeito" e "acabou" perpassam céleres em sua fronte.

Gente... Eu sei o que isso pode parecer para vocês... Mas peço que tenham calma. Apesar de minha aparência nenhum pouco convidativa, não tenho qualquer intenção maléfica contra vocês. Lembrem-se: não julguem o livro pela capa.

A voz pausada, cuidadosa, desarma os anfitriões. Pouco a pouco, eles desfazem as posses ameaçadoramente ofensivas e se rendem a sensatez.

Certo. Agradeço pela compreensão. Sei que causo repulsa, por isso, ir-me-ei.

Ao recolher seus pertences, um dos presentes fala:

Espere! Não vá ainda... Frank.

Ouvir um estranho falar seu nome dá um arrepio na espinha. E, ao fitar seus acolhedores e passageiros companheiros, ele se surpreende com as bombas de fumaça que surgem aos seus pés e pipocam, deixando o ambiente bruxuleante.

Quando toda a fumaça se dissipa, Frank se depara com quatro demônios. Pior: são quatro Demônios de Sorriso Estridentemente Nauseante, que, segundo uma pesquisa realizada pela Organização Secreta dos Magos Canastrões, é a pior raça de demônios que alguém pode se deparar.

--CONTINUA--

terça-feira, 10 de maio de 2011

Aconchegante chama.



As noites estão nebulosas. Uma enorme escuridão. Praticamente infinda.

A chuva continua caindo. Isso já há três dias. O que deixa meu ânimo baixo, sem qualquer expectativa de subida.

Eu, internamente, antevia todo este atual aspecto desalentador da natureza. Era justamente por isso que seguia para longe do litoral.

Buscava proteção como consequência de um futuro evento? Talvez.

Estava completamente empapado, com a nauseante sensação de fadiga. Contudo, minha jornada deveria seguir, firme. O tempo perdido tentando sair da vila que circundava o castelo deveria ser recuperado.

Mais à frente, distinguo uma pequena chama. Ao me aproximar, vejo que ela está protegida do aguaceiro por uma tenda aberta nas laterais.



Um grupo formado por dois casais se aqueciam próximos à fogueira. Será que devo solicitar abrigo?

Meus dedos passeiam por dentro do aljorge, tateando em busca da bendita poção que me transformará em alguém mais apresentável. Cederei à tentação? Deveria seguir para longe dali, mas um ímpeto de move para aquele aconchego.

Dou apenas um gole. Mal tenho tempo de guardar o frasco e já sentia as modificações. Todo o meu corpo se metamorfoseou num ordinário homem que ninguém notaria à primeira vista.

Assim, encaminho-me em direção a eles.

Olá.

Todos me olham de imediato, com as expressões paralisadas na última coisa dita por um deles. Ninguém se manifesta.

Não gostaria ser inoportuno, mas será que posso dividir o espaço com vocês?

Logo, o semblante de todos ameniza ao me discernirem com clareza.

Daí, eles continuaram conversando sobre amenidades e, sob o tilintar dos pingos, o crepitar dos galhos consumidos pela chama, adormeci.